De nome complicado a ganhos em sustentabilidade: pesquisa da UFLA aposta em IA sustentável para transformar saúde pública e agricultura

Por Simone Paiva, Analista de Comunicação da FUNDECC
Publicado em 26 de novembro de 2025

Como uma pesquisa com nome comprido — “Desenvolvimento de Sistemas de Reconhecimento de Padrões com Baixa Complexidade Computacional” — pode se traduzir em soluções simples, baratas e que cabem na palma da mão? Na UFLA, esse título técnico começa a ganhar corpo em aplicativos e protótipos capazes de apoiar o diagnóstico rápido da tuberculose, prevenir amputações por pé diabético, localizar falhas em redes elétricas e identificar doenças em lavouras de café. O que une todas essas frentes é um conceito que está revolucionando o campo da tecnologia: a inteligência artificial sustentável, também chamada de Green Algorithms.

Enquanto o mundo aposta em modelos gigantescos, caros e com consumo energético cada vez maior, o projeto coordenado pelo professor Danton Diego Ferreira, do Departamento de Inovação e Automação da UFLA, financiado pela Fapemig (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais) e com gestão administrativa e financeira da Fundecc (Fundação de Desenvolvimento Científico e Cultural), segue na direção oposta: criar soluções de inteligência artificial capazes de funcionar em equipamentos simples, consumindo menos energia e mantendo alto nível de precisão.
“A nossa ideia é executar a mesma tarefa complexa com um modelo de inteligência artificial mais simples, que exija menos operações matemáticas e consiga funcionar em equipamentos mais baratos, com menor consumo de energia e menor pegada de carbono”, explica o pesquisador.
Essa abordagem torna possível levar tecnologia avançada a lugares onde antes ela era inviável — regiões remotas, unidades básicas de saúde e propriedades rurais. É ciência com impacto direto no cotidiano.

Tuberculose
Em 2023, o Brasil registrou cerca de 80 mil novos casos de tuberculose e 2,7 mil mortes, segundo o Ministério da Saúde. Em muitas regiões, o diagnóstico depende de exames demorados e de infraestrutura que não chega a todos.
O sistema desenvolvido na UFLA pretende permitir que, com uma foto simples da radiografia feita pelo celular, o aplicativo faça a triagem e indique rapidamente se há suspeita de tuberculose ativa, auxiliando o médico a priorizar exames e tratamentos.
“O objetivo não é substituir exames, mas oferecer uma solução rápida, escalável e que funcione até em um celular básico, sem exigir internet ou raio-x digital”, afirma Ferreira.

Imagem cedida pelo professor Danton

Pé diabético e o aplicativo CARPeDia
O diabetes afeta mais de 16 milhões de brasileiros, segundo o Ministério da Saúde. Apenas em 2023, o SUS realizou 11.326 amputações de pés e pernas relacionadas ao diabetes, uma média de quase 30 cirurgias por dia — números que dão dimensão da gravidade do problema.
O CARPeDia, aplicativo desenvolvido em parceria com a Unicamp, já validado em unidades de saúde, funciona como uma ferramenta de triagem: o agente comunitário responde perguntas simples sobre o paciente, e o sistema calcula automaticamente o risco de o paciente desenvolver pé diabético, envia alertas à unidade de saúde e oferece orientações personalizadas de autocuidado.
Agora, o grupo avança para uma inovação adicional: integrar ao sistema a análise de imagens de feridas em pés diabéticos, ajudando a diferenciar úlcera infecciosa de isquemia — informação essencial para o tratamento.
“A ideia é que essa tecnologia esteja, de fato, nas mãos de quem está na ponta do SUS e possa evitar sofrimento e amputações”, destaca o professor Ferreira.

A validação do aplicativo na ponta do Sistema Único de Saúde foi conduzida pela Dra. Ana Cláudia Barbosa Honório Ferreira, doutora em Ciências e Saúde pela Unicamp, professora do curso de Enfermagem da UniLavras e responsável pela aplicação da pesquisa nas Unidades Básicas de Saúde (UBS). Ela coordenou os estudos de campo que avaliaram tanto a eficiência clínica quanto a usabilidade do sistema entre profissionais e pacientes.
“O aplicativo facilita muito o trabalho do enfermeiro da atenção básica, porque ele consegue identificar, dentro de um grande grupo de pessoas com diabetes, quem está em maior risco para desenvolver úlcera do pé diabético. Essa triagem direciona quem precisa ser atendido primeiro e fortalece a prevenção, evitando sofrimento e amputações que poderiam ser evitadas”, afirma a professora.

A saúde como prioridade
A principal frente do projeto é o desenvolvimento de soluções para a área de saúde — especialmente no apoio à triagem de tuberculose e à prevenção de complicações do pé diabético, duas questões delicadas de saúde pública no Brasil.

CAFÉ – IA para diagnóstico de pragas e doenças no cafezal
Minas Gerais responde por 52,7% de toda a produção nacional de café, com mais de 1 milhão de hectares cultivados. A rotina de manejo depende da identificação rápida de pragas e doenças.
O modelo desenvolvido na UFLA, em parceria com a EPAMIG e a Embrapa, permite que o produtor fotografe as folhas com o smartphone e receba análise automática sobre a ocorrência de problemas como Bicho-mineiro, Ferrugem e Cercosporiose, além de recomendações de manejo.

ENERGIA
Localizando falhas em linhas de transmissão
Outra frente do projeto desenvolve uma solução para detectar, classificar e localizar faltas em linhas de transmissão, indicando com precisão o quilômetro do problema — informação crucial para evitar apagões prolongados e direcionar ações de prevenção e correção.
O protótipo será testado em laboratório na Michigan Technological University (EUA) e pode resultar em patente.

Rede de pesquisa e impacto nacional
O projeto reúne parcerias com a Unicamp, UFRJ, UFPI, UFJF, EPAMIG, Embrapa, e universidades da Polônia, Irlanda e Estados Unidos. Na UFLA, integra o Centro de Inovações em Automação e Inteligência Artificial (AIA – http://www.aia.ufla.br/), com cerca de 20 bolsistas e estudantes voluntários.
Em outubro, durante o Congresso Brasileiro de Inteligência Computacional, realizado na UFLA, a Sociedade Brasileira de Inteligência Computacional passou a se chamar Sociedade Brasileira de Inteligência Artificial, e o professor Ferreira foi eleito presidente da entidade para os próximos dois anos.
“A sensação é que a inteligência artificial está, finalmente, chegando onde faz diferença concreta — da triagem de doenças ao manejo do café. É assim que a pesquisa cumpre seu papel: fazendo diferença na vida das pessoas.” — Ferreira.

A tecnologia que poderia parecer distante se transforma aqui em soluções acessíveis, sustentáveis e comprometidas com impacto social. É a ciência feita dentro da universidade, financiada com recursos públicos (FAPEMIG) e gerida com seriedade (FUNDECC), retornando para quem mais precisa.